Overdose de memórias.
Todos nascemos num certo tempo, num local específico, temos uma origem e foi-nos dado um nome, que mesmo que não gostemos, acaba por nos definir. Mas o que é que determina a nossa identidade? Não se trata do nosso corpo físico, esse é o nosso "eu". O que nos define internamente é o processo cognitivo que nos permite refletir sobre quem somos, o "self". A sua construção surge pela acumulação de experiências ao longo de toda a vida, experiências essas cujas emoções e descodificação linguística acabam por nos marcar, e direcionar a nossa evolução.
O que é certo, o que é errado, o que fazemos facilmente, o que nunca faríamos, os nossos critérios de julgamento em cada situação, tudo que damos como garantido e afirmamos convictamente ser o "normal". As memórias são a chave dessa sobreposição de experiências, mesmo que não se encontrem à disposição estilo memória RAM, algures no nosso "disco" estão impulsos passados que nos definem mais do que julgamos.
A capacidade de manipular memórias utilizando a tecnologia não é uma ideia nova na fantasia, é muito comum no cinema por exemplo, mas no caso dos jogos não é muito explorada. Ora, em 2084 as memórias são o autêntico vício da humanidade, como o facebook do futuro. São transacionáveis, e por isso podem comprar umas férias em Marte como fez Arnold Schwarzenegger no filme se assim desejarem. O problema é que manipular as memórias de alguém é um tremendo poder, e trata-se de um processo que pode facilmente correr pelo pior.
O cenário é a bela cidade de Paris, numa visão futurista que esteticamente parece um mundo retirado da ficção científica montado em cima da Paris actual. É belo em detalhe, e muito marcado por contrastes e desigualdades exacerbadas pelos efeitos da tecnologia, o pano de fundo comum do estilo Cyberpunk. O primeiro contacto é com a parte mais podre do cenário, onde vivem os indigentes esquecidos pela sociedade e conhecidos por Leapers. Estes não se comportam como um humano vulgar, nem tão pouco conservam a totalidade da aparência humana, parecem-se mais com o Gollum do senhor dos anéis.
Mais sobre Remember Me
Antevisão: Remember Me - Antevisão
Para quê viver se podemos recordar?Entrevista: Dontnod: "Devemos deixar de pensar em videojogos como se fossem carros."
Entrevista exclusiva sobre Remember Me, o jogo sensação da gamescom.Antevisão: Remember Me - Antevisão
As memórias são a única coisa que nos resta.Vídeo: Remember Me - Trailer de lançamento
Poderão jogar com Nilin e mexer com as memórias já nesta sexta-feira.Screenshots: Remember Me com novas imagens
"Podem comprar umas férias em Marte como fez Arnold Schwarzenegger no filme se assim desejarem."
A memória de quem foram outrora está perdida, retirada por um ou outro motivo do seu Sensen, o aparelho que os cidadãos em 2084 possuem na zona do pescoço e que serve para aceder às memórias de cada um. São também agressivos por natureza e um dos inimigos que encontrarão mais frequentemente na pele de Nilin, a protagonista de Remember Me, e segundo dizem, a melhor caçadora de memórias de que "há memória".
Mas como estamos em 2084 e nem na memória podemos confiar, a construção, ou melhor, a reconstrução de quem somos exatamente vai sendo feita à medida que jogamos. Isto porque quando o controlo de Nilin passa para as nossas mãos, estamos no processo de ter a réstia de memória que nos sobra permanentemente apagada nas instalações da Memorize, a grande corporação que controla a tecnologia Sensen.
É neste quadro dramático que o jogo se apresenta, com um protagonista que em teoria já foi o melhor naquilo que faz, mas que não se lembra. Para escapar das instalações da Memorize com o que pouco que lhe resta, Nilin tem que confiar numa voz que a alcança através do Sensen e que a parece conhecer de outras andanças. Esta figura apresenta-se como Edge, líder de uma espécie de grupo rebelde (Errorists) e que conduz Nilin ao exterior de uma forma pouco convencional, diretamente para o Slum 404, uma das zonas mais podres de Neo Paris.
A estética é inesperadamente o ponto mais forte do jogo, mesmo nestas áreas onde a escuridão e a desorganização imperam. Depois à medida que avançamos para as zonas ricas a arquitetura é mais imponente e futurista, mas o que me surpreendeu mesmo foi o equilíbrio de cores e formas, das várias áreas, é um ambiente desorganizado mas parece autêntico. As texturas não são o melhor que já vi mas são competentes, existem alguns problemas nas expressões faciais durante os diálogos, mas que são esquecidos devido à imponência do estilo e grandes planos que o jogo força propositadamente durante as escaladas.
Remember Me está longe de ser um jogo de plataformas, mas existem muitos momentos em que a navegação funciona a trepar de plataforma em plataforma, de prédio em prédio, de forma automática e muito ao estilo do God of War, mas tal como este, sempre com um show-off visual que impressiona, com cenários marcantes e com muita profundidade. Dá vontade de explorar Neo Paris, possibilidade que infelizmente é algo limitada, mas já lá vamos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário